A tentativa de humanização da Levi’s por meio de IA

Inteligência Artificial

[Texto publicado originalmente no Diário do Comércio, com participação da Renata von Anckën, Vice-Presidente, Comercial e Marketing da Truppe.]

Acostumadas a pautar seu planejamento por coleções e estações, as varejistas de moda têm aprendido cada vez mais rápido a trabalhar com base no tempo real. Com a ajuda de algoritmos que identificam tendências de comportamento do consumidor, a Levi’s tem adotado práticas de inteligência artificial (IA) que nos mostram que o futuro da moda nunca esteve tanto no presente.

Há quase um mês, um anúncio da Levi’s levantou polêmica. A marca passou a testar modelos de roupas gerados por Inteligência Artificial, em uma tentativa de diversificar a experiência de compras on-line. O experimento, planejado em parceria com a Lalaland.ai, um estúdio de moda digital que cria modelos realistas gerados por Inteligência Artificial, propõe ampliar a diversidade.

Uma das modelos virtuais criadas nesse projeto é essa que aparece à esquerda na foto acima, que colocamos ao lado de uma modelo real para comparação.

Atualmente, a maioria dos produtos anunciados no aplicativo ou site da Levi’s pode ser vista apenas em um único modelo de roupa e dentro do “padrão de mulher tradicional”: alta, jovem, branca e magra. Por sua vez, os modelos de roupas gerados por Inteligência Artificial trariam diferentes tipos de corpos, idades, tamanhos e tons de pele, conforme o anúncio abaixo.

“Esta tecnologia pode potencialmente nos ajudar a complementar modelos e destravar um futuro em que possamos permitir aos clientes verem nossos produtos em modelos que se parecem com eles, criando uma experiência de compra mais pessoal e inclusiva”.

Só que aquilo que, em teoria, ajudaria os consumidores ao apresentar peças de roupa modeladas em um corpo que se assemelha ao seu próprio, acabou por levantar outras questões.

Muitos consumidores se manifestaram justificando que a novidade não representa corretamente certos aspectos do programa de diversidade, equidade e inclusão da marca. A reclamação principal gira em torno da seguinte pergunta: por que não contratar modelos reais?

Além disso, não se trata exatamente de uma novidade o uso de modelos virtuais. Portanto, o que esse anúncio da Levi’s traz de novo?

Falar sobre a humanização das marcas está, de fato, em alta, segundo Renata von Anckën, vice-presidente comercial e de marketing da Truppe!, especializada em tecnologia da informação.

Renata explica que diferentemente de outras marcas que trazem suas musas digitais, como a Lu, da Magalu, e a Candy, da Prada, as personas criadas pela Levi’s são perfeitamente confundíveis com pessoas reais.

Além disso, a Levi’s já tem muita familiaridade com o uso prático de Inteligência Artificial em sua gestão. Muitos desses recursos guiaram a marca durante a pandemia para precificar, liquidar, estocar e treinar funcionários.

Baseada na IA e na utilização massiva de dados (big data), a Levi’s capta mudanças no comportamento do consumidor em tempo real. Seus algoritmos orientam a distribuição de produtos nos pontos de venda de forma que os itens que estejam despertando maior interesse do consumidor fiquem sempre disponíveis, na quantidade certa, e nos locais adequados para atender pontualmente à demanda, sem excesso ou escassez.

É também pelo uso de Inteligência Artificial que, por exemplo, um determinado modelo de blusa, de uma cor específica que começa a ser vendido de forma mais acelerada em certa loja ou região, é imediatamente redistribuído para aquele local, evitando o desabastecimento do produto e a consequente perda nas vendas.

Preferências, clima, perfil de consumo – tudo é fielmente monitorado para que a marca saiba exatamente quando lançar uma liquidação ou não, e tantas outras variantes para determinar qual mercadoria irá para cada loja.

De acordo com Renata, o varejo tem sido pioneiro em entender as transformações de comportamento. Nesse contexto, a Inteligência Artificial entra para viabilizar experiências personalizadas como, por exemplo, permitir que o consumidor crie o seu look a partir da própria imagem ou que visualize um móvel novo em sua própria sala.

O que eles querem?

Outro aspecto a ser destacado sobre a criação dessas imagens é que elas são sempre muito perfeitas. Peles lisas, roupas perfeitamente modeladas no corpo, cabelos sem frizz, uma beleza sobre-humana. Estaríamos cansados de tanta perfeição?

Nas redes sociais, o gosto da geração Z (nascidos entre 1990 e 2010) por photo dumps (sequências de fotos aleatórias, sem o uso de filtros ou edições elaboradas) e câmeras analógicas pode ser um retrato disso e nos mostrar que essas imagens de modelos virtuais perfeitas podem até impressionar, mas também vão contra os valores da nova geração.

Embora seja um recorte da cultura alemã e feita com consumidores da geração Z, a pesquisa “Imagine” do SYZYGY GROUP, especializado em comportamento digital, mostra que esse público está muito curioso e aberto à criatividade dessa tecnologia e gostaria de experimentá-la.

Uma grande proporção dos entrevistados (78%) chega a dizer que a IA acabará superando os humanos em termos de habilidades criativas. Um em cada quatro entrevistados poderia até imaginar gerar um clone digital de si mesmos para viver digitalmente após a morte.

Ao mesmo tempo, porém, existe a preocupação com o possível uso indevido e o desejo de tratamento responsável e transparência.

As principais conclusões da pesquisa “Imagine” apontam que 49% dos alemães estão interessados em usar ferramentas generativas de IA para aumentar sua própria criatividade. E 78% presumem que sua marca favorita já está usando IA para automatizar tarefas criativas na empresa.

Além disso, 42% prefeririam que sua marca favorita usasse IA em vez de humanos para tarefas criativas de marketing se isso reduzisse a pegada de carbono da marca.

Para além das tecnologias, Renata diz que é curioso constatar como o fator humano passa a ser um diferencial competitivo das marcas, principalmente em tempos em que o número de dispositivos móveis supera a quantidade de seres humanos existentes no planeta.

O lançamento da coleção Primavera-Verão 2022, realizado pela Renner, simultaneamente em um ambiente físico e digital, utilizando o metaverso Decentraland, onde seus convidados podiam também interagir e experimentar as versões digitais das peças é uma materialização disso tudo.

A marca Reserva acompanhou este movimento e lançou o Reserva X, há exatamente um ano, como divisão de experimentação e inovação para o Metaverso e tecnologias baseadas em Blockchain.

As possibilidades são praticamente infinitas e são nestes exemplos que, segundo Renata, o paradoxo de humanização x IA se desfaz, especialmente porque a união entre moda e tecnologia agrega mais valor à experiência do consumidor.

“As marcas que se preocuparem em garantir que a experiência de seus consumidores seja sempre a melhor possível, com toda certeza estarão passos à frente”.

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